A embaixadora norte-americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, disse hoje no Conselho de Segurança que a presença do grupo de mercenários russo Wagner em vários países africanos tornou estes “mais pobres, mais fracos e menos seguros”. Enquanto isso, a filha do Presidente do Níger, Mohamed Bazoum, deposto em 26 de Julho e detido desde então, diz que o pai não se demite e “decidiu lutar para salvaguardar a democracia”. Por sua vez, a União Africana anunciou hoje a suspensão do Níger das suas instituições.
A diplomata falava durante uma sessão dedicada à situação na Líbia e aludia à presença do grupo de segurança privada, formado por mercenários, no Mali, Burkina Faso, Níger e Sudão.
Segundo Thomas-Greenfield, a actividade do grupo de mercenários Wagner nestes países e na Líbia tem “um impacto pernicioso” e, por isso, insistiu em que se deve colocar a tónica na sua presença, que nem sempre é oficialmente reconhecida em Moscovo ou nos países africanos.
Na segunda-feira, o chefe desse grupo de mercenários, Yevgeny Prigozhin, apareceu em vídeo pela primeira vez desde o fracassado motim de 24 de Junho contra o Kremlin, e sugeriu que regressou a África para tornar a Rússia “ainda maior em todos os continentes”.
No vídeo, Prigozhin não diz explicitamente que está em África, mas aparece numa paisagem semelhante à savana africana e afirma que a temperatura à sua volta é de 50 graus.
“Justiça e felicidade para os povos africanos”, proclama o chefe da Wagner na mensagem de vídeo, na qual afirma que o seu grupo de mercenários é o “pesadelo” do [grupo extremista] Estado Islâmico, da Al-Qaida “e de outros bandidos”.
O secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, disse à BBC, há dias, que o grupo Wagner está a “tirar partido” da instabilidade no Níger, embora tenha afirmado não acreditar que a Rússia esteja por detrás do recente golpe, insistindo que “onde quer que este grupo Wagner tenha ido, a morte, a destruição e a exploração seguiram-no”.
Presidente deposto do Níger “decidiu bater-se pela democracia”
O Presidente do Níger, Mohamed Bazoum, deposto em 26 de Julho e detido desde então, não se demite e “decidiu lutar para salvaguardar a democracia”, garantiu a sua filha numa carta aberta publicada no diário francês Le Figaro.
Na carta, Zazia Bazoum Mohamed, que vive em Paris, apelou à libertação do seu pai, detido no palácio presidencial, e ao “restabelecimento da ordem constitucional” no Níger.
Zazia recorda que o pai foi “democraticamente eleito”, “é a escolha do povo” e “deixou uma marca positiva, tanto a nível nacional como internacional”.
“Ele fez da luta contra a corrupção e a má governação a sua principal batalha”, continuou, salientando que também foram feitos progressos na frente económica.
“Hoje, feito refém juntamente com a sua família, não se demite porque está empenhado nos valores democráticos e sempre lutou contra os regimes militares”, acrescentando que ele “está a lutar e a sacrificar-se pelo futuro do nosso querido país, o Níger, pelo Sahel e por toda a África Ocidental”.
A filha de Bazoum destacou que o pai podia ter desistido, “poupado a família a este sofrimento” e “ter encontrado um cargo importante a nível internacional”, mas, sublinhou, “decidiu lutar para salvaguardar a democracia no Níger”.
Os militares que derrubaram o Presidente Bazoum, eleito em 2021, justificaram o seu golpe de Estado principalmente com a “deterioração da situação de segurança”. Esses argumentos são “completamente falaciosos”, lê-se na carta.
“Todos os ataques terroristas denunciados pelos sequestradores tiveram lugar antes de o meu pai ser Presidente e, melhor ainda, todos os sequestradores e os seus cúmplices já faziam parte do sistema que denunciam”, escreveu.
Além disso, sublinhou, “desde que sequestraram o país” assiste-se “com impotência e tristeza a um aumento alarmante dos atentados terroristas: mais de sete atentados em três semanas, com muitos mortos”, detalhou.
É difícil encontrar uma saída para a crise, uma vez que os países da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) exigem que Mohamed Bazoum seja reintegrado no seu cargo e libertado imediatamente, o que os militares golpistas se recusam a fazer.
A CEDEAO ameaçou com uma intervenção militar, mas continua a privilegiar a via diplomática, sem resultados até à data.
“Esta injustiça contra a minha família e contra o Níger leva-me a pensar se não haverá uma ligação com o facto de o Níger se tornar um país exportador de petróleo dentro de três meses”, afirma Zazia Bazoum Mohamed.
Segundo ela, “os sequestradores e os seus cúmplices sabem que ninguém beneficiará pessoalmente dos lucros do petróleo” com o seu pai à frente do país.
Mohamed Bazoum “assegurará sempre que esta riqueza beneficie o povo do Níger e não uma elite que se considera superior ao povo do Níger”, garantiu.
União Africana suspende Níger
Entretanto, a União Africana (UA) anunciou hoje a suspensão do Níger das suas instituições, na sequência do golpe de Estado de 26 de Julho, e manifestou reservas quanto a uma eventual intervenção militar da África Ocidental.
O Conselho de Paz e Segurança (CPS) da UA “toma nota da decisão” da CEDEAO “de enviar uma força” para o Níger e pede à Comissão da organização pan-africana que “proceda a uma avaliação das implicações económicas, sociais e de segurança” de tal envio, anunciou este órgão da UA através de um comunicado.
O CPS decidiu igualmente “suspender imediatamente a participação da República do Níger em todas as actividades da UA e dos seus órgãos e instituições até à restauração efectiva da ordem constitucional no país”, segundo o comunicado publicado hoje.
A posição, assumida num contexto de fortes divergências no seio da UA sobre este assunto, assenta em decisões tomadas numa reunião sobre “a situação no Níger”, realizada a 14 de Agosto.
Na passada sexta-feira, no final de uma reunião de chefes de Estado-Maior da CEDEAO em Acra, capital do Gana, o comissário da organização regional para os Assuntos Políticos, a Paz e a Segurança, Abdel-Fatau Musah, indicou que “o dia da intervenção” tinha sido fixado, assim como “os objectivos estratégicos, o equipamento necessário e o compromisso dos Estados-membros”.
“Se uma agressão for levada a cabo contra nós, não será o passeio no parque que alguns parecem acreditar”, respondeu este sábado o novo homem forte do Níger, o general Abdourahamane Tiani.
A CEDEAO considerou esta segunda-feira “inaceitável” um período de transição máximo de “três anos” apontado, no sábado, pelo líder da junta militar do Níger. “Queremos que a ordem constitucional seja restaurada o mais rápido possível”, disse Abdel-Fatau Musah.
No sábado, uma delegação da CEDEAO liderada pelo ex-presidente nigeriano Abdulsalami Abubakar deslocou-se ao Níger para negociar uma saída para a crise, tendo sido recebida por Tiani, e mantido contactos com Mohamed Bazoum, detido desde o golpe.
Durante as conversações, Tiani defendeu o fim das sanções económicas e da proibição de viagens, impostas pela CEDEAO na sequência do golpe de Estado de 26 de Julho, e no final garantiu perante a televisão nacional que a transição para o poder político pode durar até três anos, ameaçando as forças estrangeiras contra a preparação de uma eventual intervenção militar regional.
O Níger é o quinto país da África Ocidental a ser liderado por uma junta militar, depois do Mali, da Guiné-Conacri e do Burkina Faso, que também tiveram golpes militares entre 2020 e 2022, além do Chade, onde o actual Presidente sucedeu ao seu pai, morto em combate.
Desde o derrube do regime do Presidente Bazoum, a comunidade internacional teme ainda mais instabilidade na região do Sahel, que enfrenta crescentes insurgências de grupos fundamentalistas islâmicos ligados aos grupos extremistas Estado Islâmico e Al-Qaida.
Muitos países, liderados pelos Estados Unidos, bem como a ONU e a União Europeia, apelaram a uma resolução pacífica da crise.
Foto: Mohamed Bazoum, Evgueni Prigozhin e Joe Biden
Folha 8 com Lusa
[…] Source […]
[…] Source link […]
[…] a fonte […]